02/12/08 - 22:34

- Pai, como é morrer?
- É quando você vai para um lugar diferente, mas é muito diferente, crianças não entram lá.

30 anos depois:

- Simplesmente não serve. – disse o editor.
- Mas e quanto à originalidade?
- Não é original, não serve. Agora dê licensa que há outro escritor que preciso ver.

Chegou em casa, colocou alguma música para tocar. Tem dias que a coisa flui, tem dias que a coisa não flui, acostume-se com a vida, meu amigo. Comeu pão com manteiga, queijo é para fracos. Tocaram na campainha, o que era um milagre, já que nunca recebia visitas.

- Oi – disse ela, com o cabelo curto e uma cara curiosa.
- Oi – respondeu.
- Sou sua fã, sério, tenho todos os seus contos, todas as revistas que o publicaram, inclusive aquela alemã, embora eu não consiga ler.
- Ah, eu acho que te consigo uma tradução, entra.

Ofereceu um refrigerante à ela. O copo estava mais ou menos sujo, mas, vendo do ponto de vista bom estava mais ou menos limpo também. Pegou uma caixa de papelão com estampas de uma televisão de plasma. Revirou um monte de papéis. Pegou um.

- Aqui está, não está corrigido, mas dá pra passar a idéia, eu acho.
- Ah, muito obrigada, sou sua fã mesmo.
- Ah é?
- Sim, eu tenho todos os seus livros
- Mas só publiquei três.
- Sim, e tenho aquela edição de histórias em quadrinhos que você fez com Renan Ferreira, “O grande e enorme nada com nada”.
- Ah, sei.

Ficaram um bom tempo batendo papo. Ela falava basicamente da sua devoção por ele. Ele, por sua vez, tentava ser o mais educado possível, talvez conseguiria sexo naquele dia, já que não podia se esperar mais do que isso de uma pessoa que pensasse como ele, realmente. Tomaram toda a garrafa de refrigerante. Começava a anoitecer. Disse que ia ao banheiro e tentou arrumar a sua cama – o que era de fato um milagre – da melhor forma possível para despistar a falta de faxina e arrumação do resto do apartamento.

Anoitecia e eles continuavam conversando. Quando ele ia tentar o primeiro movimento – o qual nem ele mesmo sabia direito como seria – um som estridente de buzina fez-se ouvir pelo cômodo inteiro. Vinha da rua. Rapidamente ela olhou pela janela. Virou-se e começou a guardar alguns papéis que havia trazido consigo.

- É meu marido, preciso ir.
- Espera aí, quantos anos você tem?
- 19.
- E você é casada?
- É, é o amor.
- Ah...

Despediram-se. Ele levou-a à porta. Do carro, o marido dela abanou a mão para ele e gritou algo como “gosto muito dos seus livros” ou “não coma minha esposa” ou “grande perdedor” ou algo parecido. Recusado, sem dinheiro para o aluguel e com fãs casadas, só pôde fazer uma coisa:

- Tomara que eu já seja velho o suficiente para entrar.

1 comentários:

gmm disse...

eu também epero estar velho pra entrar.