06/08/08 - 20:03

Acordei não querendo acordar. Não era por sono, era por medo, medo de, bem, vocês saberão o que. Tomei um banho quente que era o mais frio que eu já tomei. Acho que a minha ficha ainda não tinha caído, ainda não tinha entendido o que aconteceu, mas eu estava ali e precisava fazer alguma coisa para não ser comido pelo tempo. Na verdade eu pensei nisso, em ser comido pelo tempo, esquecido por ele e me matar, me tocar de um prédio. A melhor forma de morte, para quem não tem um carro, é se tocar de um prédio. Mas eu não estava desesperado o suficiente para isso, talvez nunca estaria, estava só fazendo uma cena, tudo bem. E se não estivesse, tudo bem também.

Vieram me buscar. Entrei no carro, manhã cinzenta do caralho, o mundo parecia estar de luto naquele dia, o céu mostrava o melhor que podia para nós: seu cu. Tudo bem, meu cu estava no lugar da minha cara também. Com uma camiseta roxa e calças jeans, desci do carro no lugar e ainda não acreditava no que acontecia. Olhei aquele nome no visor, e o horário: 10:00.

10:00.

Subi pelas escadas e entrei à esquerda. Estava um monte de gente lá, e atrás de um quadro de madeira, ela. Fui até lá, já havia cumprimentado todos na noite passada, e chorado bastante. Desta vez minhas lágrimas pareciam estar secas, e tudo chorava, meu fígado, minhas unhas, menos meus olhos, ninguém podia ver que eu chorava e vinham falar comigo. Gente do meu dia-a-dia estava lá. Eu não precisava delas, não precisava de ninguém, não precisava de conversas e papos cabeça. Ei, cara, vamos conversar. Ei, você sabe que estamos com você. Vão se foder, eu não preciso disso.
Então chegaram as malditas dez horas e foi a última vez que eu a vi. Então meus olhos começaram a chorar, parecia que não tinham visto a coisa até aquele momento. Subimos lances de escada empurrando aquilo, selado, lacrado para todo o sempre, até que virasse carne e madeira podre, até então que o Armagedon nos unisse outra vez. Então eu caí, caí mais uma vez, como sempre costumo cair, mas caí pesado, caí sem ver o que tinha lá embaixo e desmoronei, não podia fazer nada, não podia aceitar algo daquilo.

Pai, me conte mais, pai.

Então veio a pior parte: o cimento. Porra, eu já fiquei muito triste na minha vida. Quando uma namorada terminou comigo, passei um ano chorando pelos cantos, achando que a vida era um lixo. Mas o que era ter uma vida comparado àquilo? Ver todo aquele cimento selando o que eu mal vi, mal vi, e perdi todas as chances que tive. Nossa, Deus me odiava. E todos à minha volta choravam por mim, comigo. E eu nunca fiz uma coisa tão triste na minha vida quanto empurrar aquilo para dentro, queria me colocar ali dentro com ela. Sinto náuseas só de pensar nisso, sinto todo o meu esôfago querendo sair pela minha boca. Empurrei com os últimos esforços que fiz por ela, chorando sem poder ver onde pisava. Até hoje não voltei lá: uma parte de mim diz que é porque não acho válido esse negócio de cultuar corpos mortos, mas outra parte diz que tenho medo.

Lílian, isso é pra ti.

0 comentários: