07/09/08 - 23:38

Não concordara com a tal passeata no começo, embora quisesse as mesmas coisas que os outros rapazes. No final das contas sua namorada o convenceu a ir naquele negócio, ela já convenceu ele tantas vezes antes que ele nem tentou resistir dessa vez. Pelo menos havia descoberto um grande segredo em relação às fêmeas: a força de convicção delas. 

Pegou um pé-de-cabra e umas bolinhas de gude, que colocou no bolso. Foi avisado de haveria resistência. O governo não estava de brincadeira. Achou que uma porrada na barriga para cada um seria o suficiente para conseguir ao menos sobreviver. 

Pegaram os cartazes e seguiram pela rua da praia, gritando seus hinos, entoando cantos que lembravam e enchiam seus corações de esperanças, algo que realmente os levava para frente, mesmo sabendo que levariam pontos, teriam membros quebrados, e, na pior das hipóteses, morreriam. A maioria deles iria morrer, na verdade, era o que estava escrito no livro do destino e aquilo não poderia ser mais mudado. A vida era uma merda naquela época, ainda é. 
Continuavam a entoar seus cantos. Olhou pela esquerda e viu as velhas fardas cor de vômito, que fediam a vômito e remetiam a vômito e vazio, nada mais. Pegou o pé-de-cabra, pronto para acertar aquelas almas assalariadas. O suor começou a escorrer-lhe pelo canto do rosto. Eles vinham alinhados, com seus cassetetes na mão. Preparou-se. Eles apressaram o passo, mas ele estava pronto. Acertou um.

Então todo mundo ouviu os gritos, que ecoavam por toda praça da alfândega. Todo aquele mar de gente agora se virava para a direita como uma enorme tsunami. Todos magros, mas com as cabeças bem alimentadas, egos alimentados com pensamentos libertinos, de esperança e coragem. Ele não pertencia muito bem àquilo ali, era mais calmo e tinha menos furor no sangue, mas olhou para o lado e viu aqueles pequenos cabelos loiros movimentando-se suavemente, enquanto as mãos brancas manejavam aquele pedaço de ferro contra cassetetes masculinos, movidos pelo salário e pão de necessidade. Foi tomado pelo espírito de liberdade de todos ali. Agora era um deles, podia sentir aquilo entrando-lhe pelo corpo. Manejou aquele pé-de-cabra como nunca. Tirou a consciência de vários, mas eram muitos. Seus longos cabelos crespos, em pé, na linha de frente de uma guerra já perdida.

A liberdade conduzindo a bandeira. A liberdade conduzindo o povo. Lembrou-se da pintura. A liberdade estava ali, ela podia senti-la. Aquilo era melhor do que qualquer noite de chapação que tivera. Qualquer cigarro de maconha que acendera. Sentia-se vivo e gostava daquilo. Levava golpes, nem os sentia. Estava com o nariz sangrando. Sentia o sangue caindo pelo seu nariz, latejante, provavelmente quebrado. Nem sentia. A liberdade havia lhe feito o curativo. Olhou para lado, e os cabelos loiros ainda moviam-se suavemente. As mãos agora exaustas não paravam. Puxou os cabelos e mergulhou naquele mar de gente. Precisavam descansar e sair daquele front de batalha. Os fardos de vômito continuavam lá na frente, lutando pela alimentação dos seus filhos. Estavam fazendo a força policial fazer jus ao seu salário.

Descansavam, mas quando viram, estavam de volta ao front de novo, estavam sendo derrotados. Sua camiseta roxa com laranja agora tingida de vermelho. Um vermelho tímido que tomava lugar aos poucos, em diversos lugares, como diferentes nódulos de um câncer. Lançou as bolinhas de gude. Todos o fizeram. Os fardas de vômito escorregavam. Matou três com o pé de cabra. Não estava sendo cruel. A liberdade tinha um preço. 

Deu um passo em falso e caiu, os cabelos loiros tentaram puxá-lo, mas estavam cansados. Não conseguiam puxá-lo. Os fardos de vômito o viram ali, deitado, cansado, suado e sangrado. Poderiam jurar que estava morto, não fosse os gritos que soltava. Estava em frenesi. Não habitava mais seu corpo, agora aquela dama de pele branca e seios de fora, com a bandeira nacional na mão habitava sua alma, assim como a de seus comparsas e dos cabelos loiros. Sorria enquanto os fardas de vômito acertavam sua barriga. Não podia sentir aqueles golpes, ele era feito de alma e não mais de carne e osso. Apenas sorria enquanto seu coração batia cada vez mais devagar e seu estômago era espancado. Apenas sorria quando seu coração havia definitivamente parado de bater. Não chore, cabelos loiros, não foste a culpada. Seu problema não foi acreditar no ideal que não vingaria, não houve problema algum. Apenas pagou o preço para ser lembrado como um cara legal, um bom cara, e para ter sua alma retirada daquele inferno, o mundo.

3 comentários:

Sugarpuss O'Shea disse...

é por estas e outras que tenho orgulho de ser tua namorada.

Unknown disse...

é por estas e outras que tenho orgulho de ser teu namorado.(risos)

Isadora Machado disse...

é por estas e outras que tenho orgulho de ser tua amiga.