06/05/08 - 21:30

O remanescente da minha infância/Bukowski sempre será meu herói

- Já era, magrão.
Era apenas um caso, mas havia acabado. Apenas um caso. Talvez eu fosse incompetente demais para levar isso além, como um relacionamento de verdade, um simples caso. Talvez depois disso eu devesse me portar como o escritor que tenho tentado ser, acendendo um cigarro e descendo pela rua, sozinho, no frio, mas estava um calor do cacete, eu estava no meu apartamento – cujo condomínio era pago pelos meus pais – com roupas normais, em frente ao meu telefone, com uma cara estarrecida de imbecil, não acreditando em nada.

Fui para a cozinha fazer alguma coisa e me lembrei dos momentos de gozo. Os momentos suaves e delicados de gozo, que não são o sexo nem as malditas coisas simples da vida, mas algo que está perdido no meio disso, em um balanço perfeito, dançando como uma bailarina com pés de açúcar. É algo que sozinhos não conseguimos descrever, mas quando podemos tocar na bailarina, estamos ocupados demais contemplando-a para poder descrevê-la. Talvez apenas sentindo, poderia lembrar-me da face da bailarina mais uma vez.

Eu não sabia o que fazer, era uma sexta feira, e tudo parecia nostálgico e triste ao mesmo tempo, o que não é difícil. Engraçado o meu estado de espírito naquele momento. Eu tinha a faca e o queijo na mão, e apenas precisava seguir a minha vida, passando por cima de um caso que nunca daria certo, mas era simplesmente muito difícil. É mais fácil achar desistentes do que nuvens. E se esses desistentes de fato não desistem, tudo bem. Se eles desistem, está tudo bem também...
Pensei em algo para fazer. Pensei em ligar para algum amigo e sair à noite. Eu tinha um monte de amigos. Tinha. Era simplesmente ligar para eles e chamá-los, mas naquele momento eu sentia muito ódio da humanidade, achando que todos nós tínhamos espíritos podres que fedem a merda. Sentei-me no sofá e fiquei pensando, não tinha pressa alguma. Ia sair sozinho, pronto. Esperei até as dez e saí porta afora.

Acho que queria me acabar. Mentira, eu não sabia o que queria, raramente sabia. Apenas saí caminhando para algum bar onde costumava ir aquele tipo de gente igual ao meu caso anterior. Talvez eu quisesse outro caso sem futuro. Podem me culpar, chamem as autoridades, seus malditos. Não sei de nada, só sei que começou numa caipirinha e o fim só deus sabe, não lembro o que fiz, não lembro de basicamente nada. Devo ter feito alguma coisa muito louca, porque quando estou de porre e chapado faço coisas muito loucas, meus amigos vivem me lembrando isso. Então eu me acabei e acordei. Era o melhor morto que estava vivo de todos.

Acordei ao lado de uma daquelas que já não tem mais alma há muito tempo, nua, na minha cama de casal, no meu apartamento – cujo condomínio era pago pelos meus pais – dormindo, calma, quase morta. Resolvi não interromper. Antes pudera, nem sabia como ia chamá-la. “Ô, mina, levanta aí”. Eu não sabia o seu nome, e, bem, tudo bem, ela podia guardar o nome para ela.
Levantei-me para ir ao banheiro. Sentei-me na patente. Minha biblioteca ficava no banheiro, era o melhor lugar para se ler. Peguei um Bukowski. Acordei a moça da qual eu nem sabia o nome com sonoras risadas. Não importa, existem mais desistentes no mundo do que nuvens no céu, mas o Bukowski sempre seria meu herói, e aquilo bastou pelo momento...

1 comentários:

gmm disse...

muito bom cara!
melhor texto teu que eu já li.
realmente bom!