Bonanza

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Olhou em volta, sentada na sua sala de estar. O que havia conquistado, naqueles 73 anos? Muito, sem dúvida. Muito mais do que achou que jamais ia conseguir. Sentiu-se feliz, como se tivesse recém visto a felicidade da terceira idade pairando como uma mosca no seu braço. Coçou o brigode branco e observava o tapete de pavão na parede. Era feliz, sentia-se assim, depois de um bom tempo.

A morte estava no vão da porta, olhava para ele, quase  impaciente, caminhando pela casa inteira, seguindo-o. Cada passo mais impaciente que o outro. Não podia fazer nada, ele lhe escapava há anos. Sempre que a morte tinha uma oportunidade de chegar perto, ele fazia consultas. Evitara uns cinco ataques cardíacos até agora. Seguia vivendo, porém agora era feliz, mesmo com todas as adversidades de sua vida e sua família.

Seu neto se aproximava. Já estava grande, enorme. 16 anos. Criou-o desde pequeno. Ele sempre amou o avô incondicionalmente. Agora só era capaz de vê-lo como velho incapaz. Cego, não via a morte ali, no vão da porta, enquanto achava seu avô, outrora tão amado, um velho inútil e lento.

Pensou em dizer algo ao neto, contar uma história a ele. Mas não, ficou quieto. Apenas olhava para o neto com uma felicidade quase irritante, enquanto coçava a grande barba branca. Não imaginava o motivo pelo qual seu neto veio sentar-se com ele à sala, sempre evitava o contato e a “ignorância idosa”. Apenas ficou sentado, sem cara alguma. Nem triste, nem feliz, apenas observando o ambiente, o tapete de pavão, mais velho do que ele.

O velho sorria e pensava, e olhava para a morte, ali, no vão da porta, com olhos vermelhos e impacientes, enquanto a felicidade à ofuscava, em sua glória plena. Nunca havia atingido este nível de felicidade. Sorria sem parar, e divertia-se com as duas moças à sua frente: uma rindo e outra sorrindo. De repente, fitando ambas as moças, presenciou um ato trágico, mas ainda assim, feliz: As moças fitaram-se, pela primeira vez, ao contrário de outrora, quando nem pareciam notar-se. Então sorriram e abraçaram-se, e viraram uma única criatura, ainda mais bela e imaculada, de cor limpa e brilhosa, um branco azulada. O velho compreendera. Uma lágrima caiu de seu olho, enquanto sorria, ainda estupefato.

Levantou-se. O neto nem mesmo percebera a lágrima que caía de seu rosto, que pingou no chão. O velho deu-lhe um beijo e um abraço, sem dizer nada. Então seguiu para o seu quarto, pegou uma caneta e começou a rabiscar um papel. Fez isso por um longo tempo. Seu testamento. Fazia com um sorriso.

Semanas passaram-se, começou a sentir uma dor embaixo do coração. Devia ir ao médico, mas então olhou para a moça, bela, de cor azulada brilhante, que sorria para ele com um sorriso verdadeiro, ainda mais alegre que o da felicidade. Não fora ao médico e sorrira de volta para a jovem moça imaculada.

O velho morreu dois dias depois. Morreu em paz, morreu feliz. E foi quando todos ficaram tristes, e finalmente viram o que devia ser visto.

2 comentários:

Helder disse...

Fascinante.

;)

gmm disse...

bá.
muito bom cara!