25/01/10 - 03:43

A pior parte das entrevistas de emprego era a entrevista de emprego. Levantou depois de muito esforço e vestiu-se silenciosamente, como se não quisesse acordar sua parceira, a qual não existia. Abriu a porta e deu de cara com o mundo pela primeira vez no dia. A impressão de primeiro contato com o mundo para ele sempre era nauseante e chata. Era o mundo exterior dizendo que não gostava sempre e ele sem forças para responder ou dar um pequeno sorriso de escárnio.

Pegou o ônibus, como não fazia há tempos, felizmente. Completamente lotado. Um homem sem braço e pequeno segurava com dificuldade a barra superior do ônibus, enquanto duas mulheres conversavam à sua frente, ocupando os bancos preferenciais. Um rapaz próximo ao deficiente indagou as duas mulheres:

- Qual é a deficiência de vocês?
- Do que tu ta falando? – respondeu uma das mulheres, em tom de surpresa.
- Digo, tá faltando boa educação ou bom senso em vocês duas?

O homem sem braço não se manifestou, apenas olhava tudo com olhos entediados de tudo que viram.

- Olha o respeito, seu moleque.

Tudo aquilo o enojava. Não sabia se estava enojado com a atitude metida do rapaz, com a reação das moças ou a indiferença do homem. Talvez tudo lhe enojasse.

Seguiu um silêncio quase apreciável, quando ele desceu do ônibus. Puxou um papel do bolso e tateou-o à procura do endereço do local. Caminhou apenas algumas quadras e entrou em um grande galpão, com muita gente conversando. Escolheu um local e ficou observando as pessoas na sua fila, categorizando-as, colocando-as em seus potes rotulados particulares. Nada o impressionou. Um rebelde sem causa, mulheres extremamente velhas em celibato involuntário, homens sem expressão memorável e uma daquelas mulheres que acha que as mulheres são seres cheios de mistérios, divertidos e instigantes aos olhos dos homens modernos, que usam sapato de couro e cabelo para o lado com gel.

- Ei, cara, você pode guardar meu lugar aqui? – disse o jovem atrás dele na fila.
- Não.
- Qual é o seu problema?
- Não me torre a paciência, ande.
- Acho que você tem problemas sérios, seu velho.
- Vá à merda, jovem.

A entrevista transcorreu como sempre. Era incrível como os anos se passavam, mas a síntese das coisas era sempre a mesma. Eles sempre te perguntavam coisas que lhes davam completa certeza de que você não era um ser pensante, para depois te oferecer um pagamento menor do que um salário mínimo e uma cesta básica que acabaria sempre sendo descontada porque você terá feito alguma merda, como pedir para ir ao banheiro sem pegar o passe do corredor.

No caminho de volta um mendigo veio em sua direção

- Uma moeda, sangue bom?
- Vá se cagar.
- Qual é o teu problema, cara?
- Vá se foder, e não venha pra perto de mim!

Caminhou ainda mais rápido para casa, não queria mais ser incomodado. Estava com aquele clássico sentimento de que sair de casa naquela manhã não havia sido tão boa idéia. Era como ter certeza de que no final o personagem principal morria, simplesmente não podia dar certo.

Na entrada do prédio o zelador lhe parou.

- Senhor B, não posso deixar que continue como está nesse prédio.
- O que você está dizendo, seu idiota?
- Não param de sair baratas debaixo de sua porta, é como se você tivesse uma maldita criação no seu apartamento.
- Você não tem nada que ver com isso, seu idiota!
- Você está trazendo problemas, senhor B, você está trazendo problemas.
- Vá se foder.

Correu para sua porta. Agora tinha certeza de que o dia recomeçaria bem. Estava longe do convívio humano e chato. Girou a chave na fechadura já com um sorriso de alívio. Abriu a porta e entrou apressado, colocando as duas trancas originais da porta, mais as duas que havia instalado para ter certeza de que não seria incomodado.

- Cheguei meus queridos! Sentiram minha falta?

Apenas sorria e caminhava para a cozinha, sentindo-se pleno e feliz. Distribuía frases alegres enquanto enchia os potes de seus gatos com ração. Fazia carinho neles e assistia-os comer enquanto comentava da sua estúpida entrevista de emprego. Era um ser cheio de amor.

2 comentários:

Verônica disse...

ops! comentei no outro post, ali.

isadora machado disse...

DEMAIS. tudo demais. ai, que saudades que eu tava de te ler, colono! é tão tu hehe essas cenas diárias disfarçadas!