02/01/2012 - 04:03

Acordou. Outra terça-feira, aquele dia da semana que não é nem o primeiro, nem a metade, provavelmente o pior. O calor e os barulhos da cidade causavam uma sensação quase de urticalha na sua pele. Se lavou, se arrumou e antes de sair da porta já estava sujo como um porco. Deu uma última olhada para a tranquilidade de sua casa, até a noite, aquela seria o último olhar para a tranquilidade que teria. Mal sabia que seria o último de sua vida...

Desceu as escadas e saiu pela porta de seu prédio. O sol, no céu completamente poluído, iluminava o quão cinza a cidade era. Estava prestes a passar pela banca de revistas. O mesmo atendente gordo de cabelos brancos há 13 anos. Sempre lendo o jornal, dava um oi sem tirar os olhos em interesse das páginas de uma revista. Porra, por que se dava ao trabalho? Ainda balbuciava algo se não era respondido. Outras gerações mais educadas e sabe-se lá o que mais. Aproximou-se, e ia se adiantar em dizer o oi, um movimento quase automático naquela altura da vida. Não hesitou em olhar para o lado quando não ouviu o olá de volta do velho rabugento. Para sua surpresa ainda maior, era a primeira vez que reparava o quão brilhantes e roxos seus olhos eram. Do meio da sua camisa floreada saiu uma massa desforme e extendeu-se até sua camisa, e puxou-o, para então atirá-lo por um buraco embaixo da estante do caixa.

Sugado por um tunel cheio de luzes roxas, inexplicavelmente caiu pelo teto de algum tipo de espaçonave. Era pequeno e em uma cadeira um pedaço de massa verde disforme com doi brilhantes olhos roxos parecia operar o painel. Era horrível, a visão quase o enlouqueceu. Pensou que estivesse enlouquecendo, que finalmente a rotina o havia vencido e a esta hora estava prestes a se jogar de um prédio achando possível voar. Que merda que é essa injustiça, pensou, morrer sem saber. Outro pedaço de massa com os olhos aproximou-se dele, era o velho, provavelmente. Era horrível, tinha alguns órgãos expostos, e deixava uma meleca grossa e escrota por onde quer que passasse. Aproximou-se dele e abriu sua boca expondo dentes que incrívelmente cabiam ali dentro. É agora, fodeu, pensou, minha vida já era. Então daquela boca saiu um rugido enorme e fedorento, que foi logo interrompido. Um braço brotou da massa, com uma espécie de relógio. Outro braço brotou e apertou-o

- Desculpa. Eu sempre esqueço de ativar o tradutor
- O tradutor? – Respondeu o homem, atônito. Estava sendo uma terça-feira e tanto.
- Sim, para você entender minha língua.
- Ah. Sim. O que vai acontecer?
- Você vai ser comido pela besta cósmica, para que nossa galáxia fique intacta.
- Como assim? Que besta cósmica?
- O conhecimento completo explodiria seu cérebro incapaz – Respondeu a massa – Mas posso lhe dizer que a alimentamos para que ela não coma toda a via láctea e parta para nossa galáxia. Então protegemos a galáxia de vocês alimentando-a com a sua raça, para que não tenhamos que o fazer com a nossa raça.
- Ou seja, comemos seus cus para que não comam o nosso – Respondeu a massa no painel, sem retirar seus olhos do visor
- É – rebateu a colega – mas podemos fazer algo de bom para você. Quer ver o sentido da vida?
- Bom, se não tenho escolha, quero.

A massa apertou um botão e uma imagem do sentido da vida foi mostrada em um visor na sua frente. Ao mesmo tempo que seu coração se encheu de esclarecimento e alegria, seu cérebro surpreendeu-se com a simplicidade do sentido da vida, já havia feito aquilo na imagem algumas vezes.

- Esse é o sentido da vida?
- Da sua vida, sim. Vocês humanos são uma raça muito burra, e não existe entre vocês uma conclusão do que realmente é classificado “Sentido da vida”. Por estatística, assumimos que é o evento ou ocasião que lhe torna mais feliz.
- Então o sentido da vida é ser feliz? Isso é tão clichê, isso é tão simples.
- É, o cérebro de vocês é pouquíssimo desenvolvido, e não pode desejar por muito mais do que isso. Vocês são uma raça triste, burra e corrupta por natureza.
- Ah, por isso toda a...
-... desgraça, fome e morte?
- É.
- Sim, e por isso que vocês não viajam no espaço, é super simples.
- Mas e a moral e ética? O ser humano também tem características louváveis! – Surpreendeu-se consigo mesmo um segundo depois de falar essas palavras. Estava defendendo a humanidade? Sério?
- Corrupção levado a outro extremo. Se fossem bons, não precisariam de códigos. Criações dos fracos para manter os fortes ignorantes. Tem outros 9 motivos, quer sabê-los?
- Não, já entendi. Nós fedemos. Pode me levar pra besta...
- Fico impressionado como isso nunca falha – Falou a outra massa, em tédio.

De repente a espaço-nave parou. Não havia janelas, não sabia como havia parado ali, e não sabia onde ia. Estava começando a mudar de ideia sobre morrer. Era covarde e estava com medo da morte, podia doer. Claro, era um ser humano.

- Chegamos, é aqui que me despeço de você.
- Espera! Isso é porque eu nunca comprei nada na banca? Levou para o lado pessoal?
- Não, lado pessoal é uma criação humana pra inserir emoção na lógica. A besta estava com fome e você era o ser humano mais próximo, segundo o computador na banca.
- Computador na banca?
- Sim, eu – Respondeu a outra massa, dessa vez virando um pouco a cabeça.
- Você era um computador?
- Sim, eu também via você todos os dias
- Mas... como?
- Eu era aquela caixa de chicletes. E todos os chicletes juntos formavam meu corpo
- E se alguém comprasse chiclete?
- Quem compra chiclete numa banca de revistas?

Ficou em silêncio. Se agarrou em uma coluna de aço e gritou que dali não sairía. Não queria morrer. Os seres moldaram suas bocas desformes em o que parecia um sorriso, e soltaram grunhidos graves e engasgados. Apertaram um botão e seu corpo se desmaterializou da nave. Durou 3 segundos, e a morte não foi tão dolorosa...

0 comentários: