22/10/2012 – 01:28

- Você sabe para onde está indo?
- Não, mas eu sei quem sou.
- Sabe mesmo?
- Na verdade, comparado com a maioria das pessoas, eu diria que sei sim.
- E quanto você acha que uma pessoa qualquer sabe?
- Aparentemente nada. Acho que o futuro vai chegar e essas pessoas não vão ter nada pra apresentar por si. Daí sim, o mundo vai afundar.
- Como assim?
- Meu ponto é, porra, nós vivemos em uma sociedade que vive pelo espetáculo. Parecer é muito mais importante do que ser de fato. Quando isso se tornou a norma?
- Entendo seu ponto. Talvez nós realmente nos deixemos levar demais pelas impressões nos dias de hoje.
- Claro que sim. Se você se apresentasse como um doutor, as pessoas já te respeitariam antes de saber mais sobre você.
- Sim, mas eu não sou um doutor.
- Grande merda, agora para estas pessoas você é. Quem vai dizer o contrário? E a partir daí tu construiu uma reputação, todos acreditam que tu é alguma coisa a mais do que tu realmente é. Então todos estão confortáveis com o conhecimento de que existem pessoas… bem, do teu escalão no mundo.
- Apesar de não existirem, evidentemente. Qual é o seu ponto com isso?
- O ponto é, ninguém se esforça pra questionar a tua posição.
- Não sei se esse esforço deveria existir, em princípio.
- Não inventa, claro que deveria existir. Tu não é um doutor mas todos pensam que tu é. Quando elas realmente precisarem de um doutor vão chegar em ti, e o que tu vai ter para oferecer?

E, realmente, quem tem alguma coisa para oferecer? De uma forma muito específica, o mundo dos mortais parece um grande deserto. Um deserto superpopulado. Um deserto quente, onde cérebros suam e se grudam, e a convivência é estressante para aqueles que não dançam a dança exigida pelos alto-falantes. É particularmente interessante como qualquer contrariação à norma automaticamente leva ao mais desnecessário e vulgar escárnio. E qual a base de tudo isso? Vivemos em uma sociedade oca onde a norma vigente é cimentada na juventude.

O padrão de ação é a não-ação. Quanto maior for a conformidade com as normas predominantes em uma sociedade que exalta o esvaziamento individual, mais bonito você será para os olhos do típico zumbi rotineiro. Nós vivemos em um deserto ironicamente populado de lindos zumbis auto-indulgentes. O exagero no exterior só confirma o vazio no interior. Redes sociais que não fazem o menor sentido. Rituais padronizados são pateticamente adotados, numa tentativa quase – mas não o suficiente – deprimente de se diferenciar. Não se veem caindo em uma grande cesta conceitual, que acaba por engolir cada centímetro de pensamento denso ou, até mesmo, criativo que poderiam ter nutrido em seus abandonados cérebros. 

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